Pobre carnaval...
O tempo passa, a luta é constante como a própria realidade da qual participa. A classe dominante é camaleônica, ideologicamente, e impõe seus interesses.
Sempre foi assim ao longo dos anos. O estudo do Carnaval nos propicia o aflorar de passagens e trajetórias da etnia negra em nossa Cidade.
Arraiais diversos, ligados ao Carnaval, mostram, geograficamente, o seu território urbano. A Colônia
Africana, hoje bairro Rio Branco, o Caminho do Meio, hoje bairro Bom Fim, a Cidade Baixa e a Ilhota, hoje Areal da Baronesa; Joaquim Nabuco, Venezianos, Praça Garibaldi e, mais recentemente ,os bairros Santana, Partenon, Cavalhada, IAPI, Mont’Serrat, São José, Jardim Botânico organizavam os coretos.
Mas tudo começou com a etnia branca, principalmente, quando os açorianos vieram florescer o Porto dos Casais. Na sua bagagem trouxeram, também, um belíssimo tesouro cultural: o Entrudo. Um legado que cresceu, dividiu opiniões e cooperou para que em 1837 ocorresse sua proibição.
Por volta de 1875, um Carnaval requintado e luxuoso deslumbrava e alcançava seu apogeu. Sociedades carnavalescas - Esmeralda e Venezianos -, cada uma delas com mais de 25 carros um tanto enfeitadas e cenografadas desfilavam nas ruas ornamentadas de flores e lanternas de papel. Este foi, com certeza, um evento majestoso e de imaginável alegria. Em 1886, manchetes de revistas, jornais e folhetins da época retratam a anemia folieira do Carnaval, com os seguintes dizeres:
“Forças ocultas levam a um visível declínio o Carnaval porto alegrense.
Os conservadores acabam com o Carnaval”.
No final do século desaparecem as sociedades carnavalescas.
É preciso, também, pinçar da memória o século XX. Mais precisamente 1939, quando da fundação da primeira escola de samba em Porto Alegre denominada “Loucos de Alegria”. A idéia trazida do Rio de Janeiro por Nelson Lucena (violonista) e seu irmão Joaquim Lucena Filho. Juntaram-se a estes:
Valdemar Lucena, Oswaldo e Mário Barcelos e Heitor Barros.
No ano seguinte, 1940, a família Lucena deixa esta Escola e funda uma outra, a Escola de Samba “Gente do Morro”.
A “cariocarização” do nosso Carnaval tinha seu início, mas entremeando esse
período, ali pelos anos 40, surgem as tribos carnavalescas que tiveram na década de 60 um esplendor esfuziante.
A Academia de Samba Praiana no Carnaval de 1961 traz inovações de desfile inspirado na folia do Rio introduzindo no Carnaval gaúcho a estrutura de uma escola de samba. Em 1972 a Academia de Samba Relâmpago, idealizada por Joaquim Lucena Neto, é uma escola igual às do Rio de Janeiro.
Traz para Porto Alegre um novo ritmo, introduzindo o repenique e o maracanã e propondo
diversas modificações para o nosso Carnaval: direção empresarial, quadras de ensaio, gravação de samba-enredo, retirada dos instrumentos de sopro, grandes bailes e participações em projetos
sociais. Essa escola fez um grande evento com as escolas cariocas Mangueira, Portela, Império Serrano, Imperatriz e Salgueiro que a batizam no estádio Olímpico. Em 1973, a Relâmpago vai ao Rio de Janeiro, apresenta-se no programa Flávio Cavalcanti e recebe as bandeiras das escolas co-irmãs cariocas.
Acervo Joaquim Lucena Neto
Primeiro titulo dos Acadêmicos da Orgia em 1971. À esquerda Joaquim Lucena Filho |
Ao final do século XX, Bambas da Orgia e Imperadores polarizam a preferência popular. Enfim, vamos viver o presente século XXI.
Vamos voltar à alegria de outrora de um carnaval pomposo, vamos construir a pista de eventos (sambódromo). Envaideço-me, lacrimejo de alegria, mas, é no Porto Seco... lacrimejo de tristeza.
Lampejos na memória lembram a religião afro perseguida e, depois, por interesses políticos, sendo liberada. Nessas casas, o samba era acolhido e fortificou-se na clandestinidade. Era difícil para as
autoridades perseguidoras dos sambistas diferenciá-los na roda de samba ou nas rodas de orixás.
Hoje atiraram as cinzas do Carnaval no Porto Seco, esqueceram de tirar as brasas. Tenho certeza de que elas acenderão a chama da cultura. Esta nunca mais se apagará e o sambista poderá
cantar “
... A vida só tem valor com o samba/o povo sorrindo/a
avenida se abrindo”. Mas sempre foi assim....pobre Carnaval!
Advogado. Militar da Aeronáutica. Mestre de Bateria Diretor de Harmonia, compositor e incentivador do Carnaval de Porto Alegre c
Coordenador das Manifestações Populares da Prefeitura de Porto Alegre
Negro em Preto e Branco: história fotográfica da população negra
de Porto Alegre/ Irene Santos
Porto Alegre:Do Autor, 2005
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